"O Discurso do Rei" ganhou os holofotes no segundo semestre do ano passado, ao conquistar o Festival de Toronto. Surpreende que uma produção britânica independente e de baixo orçamento (US$ 15 milhões) tenha ficado responsável por levar às telas um capítulo da vida da família real, principalmente por ser próximo da realeza contemporânea – George 6º é o pai da rainha Elizabeth 2ª, que aparece criança no filme – e, mais ainda, por seu apelo inusitado.
O príncipe Albert (Firth), Duque de York, segundo colocado na linha de sucessão, era gago. Logo se descobre que ele experimentou de tudo para curar o problema, batendo na porta de todos os especialistas da Inglaterra. Tenta, tenta, mas morre na praia. Seu pai, George 5º, é um orador nato e explica para o filho o quanto é importante falar com os súditos e como os tempos mudaram na era da comunicação de massa. "Nós viramos atores", diz ele, "antes era só parecer respeitável no uniforme e não cair do cavalo".
Albert, ou Bertie, como é chamado em casa, considera-se um caso perdido, ao contrário de sua mulher, Elizabeth (Helena Bonham Carter). A duquesa vai atrás do australiano Lionel Logue (Geoffrey Rush), terapeuta da fala com métodos pouco ortodoxos e sem treinamento formal. De cara Bertie e Lionel não se dão bem – o primeiro reinvidica tratamento aristocrático, o segundo exige intimidade para que se superem os traumas que deram origem à gagueira. O príncipe tem complexo de inferioridade, não se vê como um futuro líder, enquanto o outro percebe sinais de grandeza por baixo daquela alma flagelada.
Parece rasteiro, até clichê, e é. Mas funciona, e está aí o mérito do produto final. Diretor inexpressivo, com carreira na televisão, Tom Hooper fez um belo trabalho em seu terceiro longa-metragem, carregando um roteiro feijão com arroz de David Seidler (que escreveu "Tucker - Um Homem e Seu Sonho", de Francis Ford Coppola, mas depois só fez desenhos animados para TV) com alta carga dramática, trilha sonora açucarada e closes para aumentar a tensão, culminando no desafio de Bertie, já no trono como George 6º, de consolar a nação no início da Segunda Guerra Mundial.
Bertie é mesmo o modo certo de chamá-lo, porque a função do filme é aproximar a família real das multidões. Os monarcas são criaturas divinas, escolhidas por Deus para governar o Reino Unido, mas também são gente. Por trás da aura dourada da realeza, aprende-se, há sentimento, responsabilidade, humor e também erros – é esse o papel do príncipe Edward (Guy Pearce), ovelha negra da família, que assume o lugar do pai, mas desiste do reinado para poder se casar com sua amante, a americana Wallis Simpson. Bertie, o bom moço, precisa superar seus próprios problemas, tomar o posto do irmão e conduzir o país com segurança rumo à batalha contra o nazismo. Não por nada, a rainha Elizabeth assistiu ao filme em uma sessão privada no Palácio de Buckingham e adorou o retrato do pai.
Claro que para contar toda essa glória e ser um sucesso de bilheteria na Inglaterra "O Discurso do Rei" precisou tomar liberdades históricas. Muita coisa é jogada debaixo do tapete – a simpatia do príncipe Edward por Hitler, uma suposta predisposição antissemita de George 6º e a influência do primeiro-ministro Winston Churchill no governo e no estado de espírito da população. Os produtores sempre podem responder a acusação de chapa branca, como têm feito, afirmando que o foco do filme é a amizade do rei com Logue. O jogo de empurra começa e a plateia não dá a mínima bola.
Grande vencedor do Oscar 2011, o trio protagonista é o grande responsável por cativar o público. Colin Firth faz de tudo para tornar palpáveis os fantasmas de Bertie e sua metamorfose num líder. Consegue, e por isso leva o Oscar de melhor ator. Helena Bonham Carter é a companheira perfeita, a doçura na família real. Já Geoffrey Rush rouba todas as cenas em que aparece e é o que o filme tem de melhor – sem ele, o projeto poderia ter fracassado miseravelmente. Não foi o caso e "O Discurso do Rei" está aí, consagrado. Sem qualquer inovação, correto até dizer chega. A coroação do lugar-comum.
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